- segunda-feira, julho 17, 2006 -

Afinal, a culpa é do mundo.

Matem-me, tirem-me daqui. Levem-me para lá, onde tudo é fogo frio, para qualquer lado, menos deixarem-me aqui...
"Não preferes ficar?"
Prefiro. Não, não quero, quero sair, abandonar, deixar tudo para trás, tudo..!
"E todos?"
Não. As minhas memórias, ele, não os posso deixar... Mas é melhor. é melhor assim, leva-me, dá-me uma dessas tuas asas rasgadas, já que sou um dos teus...
"Não esperes piedade da minha parte. Não preferes antes, culpá-lo a ele..? Não seria ele que precisa da minha asa..?"
Sim, ele! Ele é que é o culpado, ele é que nos fez isto, ele é que me aperta o pescoço, me tira o ar, me mata, me matou!... Não! Não, eu tenho culpa, sou eu, eu... eu é que nasci.
"E pediste para nascer?"
Não, claro que não. Para quê nascer, se é para conversar contigo, demónio?
"Nem devias ter nascido, tens razão, tu tens a culpa!"
Terei? Pois tenho... e não me consigo livrar dela. Por causa de ti, tu! Tu é que provocaste isto, tu é que me lixaste, me tiraste tudo!
"Eu?! Não tirei nada, querida. TU é que fizete tudo pelas tuas próprias mãos."
Não, não fiz! Tu é que me iludiste, tu é que foste segredar burburinhos aos ouvidos dos outros, ele é que me tramou, a mim, a nós!
"Tens a certeza? E esses burburinhos... vieram de onde, minha doce diaba?"
Cala-te. Cala-te! Jão não te posso ouvir mais! Afinal, de que lado estás?
"Do meu."
Vai-te, demónio, sai!
"Já não precisas de mim?"
Não. Ou... fica. Fica! Leva-me. Leva-me daqui, porque eu tenho culpa... Tens razão, fui eu, leva me contigo, dá-me essa asa, dá-ma...!
"Serás mesmo tu a culpada? Não era ele? Não era eu?"
Sou eu. Acabaste de mo dizer.
"E acreditas em mim?"
Em quem mais poderia acreditar agora? Já acredito em tudo, até em ti.
"Pois... Agora já acreditas em tudo. O que vale é que ainda não acreditas ali no velho barbudo..."
Cala-te. Não acredito nele, e tão pouco em ti! Só acredito que estou agora estou a ouvir-te.
"Então acreditas em mim!"
Foi para isto que vieste? Então vai te embora, já que não me levas.
"Mas acreditas em mim ou não?"
Vai-te!
"Acreditas?"
Larga-me!
"Acreditas??"
Acredito! Agora sai!
"Então acredita que ele é o culpado."
Então não era eu?
"Não ouviste o que eu disse? EU sou o culpado."
Espera. Afinal, quem é?
"Não és tu, acredita em mim. Sou eu. Ou não, afinal é ele. Ou talvez não. Se calhar somos todos nós. Ou todos eles! Quem sabe? Acreditas em mim, não acreditas?"
Pára, criatura, pára! Vieste cá para quê, se não me levas? Leva-me de uma vez por todas! Se não vens cá fazer nada, não me deixes mais confusa do que já estou.
"Mas tu acreditas em mim, as minhas palavras não podem ser confusas! São a mais pura da verdades, se acreditares em mim, não é verdade?"
Vai-te, não acredito em ti, não!
"Pois só te ofereço a verdade: é ele, sou eu também, são todos eles menos tu! Sim, amor... menos tu. Tu, meu doce, só tens a culpa de existir, a culpa de cada passo te ter levado ao que gosto de chamar o presente momento instantâneo do Agora! Aquele Agora que já passou. Talvez, assim, sejas tu... Não, não, filhas, não me olhes assim, tu não tens culpa, não, são eles, sou eu, são eles que não te entendem, tu tens o coração puro, eles é que não entendem... Não entendem a tua culpa! Vem, vem comigo, meu doce, não tens nada aqui, só olhares, vem, vem...! ...então? Não vens?"
Já não sei. Já não sei. Ele tem culpa, tu tens culpa, mas eu não. E nisto tudo, afinal eu sou a maior culpada. Eu e todos eles. Ou se calhar és mesmo só tu.

- domingo, julho 16, 2006 -

Acordo e procuro-te aqui ao meu lado. Estico o braço, percorrendo algumas milhas de lençol, mas apenas encontro um deserto de tecido cor de laranja. Cheiro o ar quente da manhã, procurando por este quarto, um pouco daquela essência na qual me perco tanto tempo...
Sinto de repente o peso da saudade, um desejo enorme de te ter junto a mim, poder continuar a dormir mais um pouco com a consciência de que estavas ali ao meu lado. Embora não o estejas. Estás agora a quilómetros de distância, algures por lados onde a minha vista nunca alcançou... Não posso, portanto, sequer imaginar o que fazes, onde estás, o que te rodeia. Não sei precisar a cor dos grãos de areia que agora pisas, não sei medir a intensidade das ondas que te tocam enquanto te diriges para o mar. Nem tão pouco sei se o fizeste.
No entanto sei, com toda a certeza, que essa distância, aliada à saudade que me abafa, não muda em nada aquele sentimento que ambos sentimos. Sei que, mesmo não conseguindo imaginar os teus passos, nem sentindo o cheiro do teu perfume no teu pescoço, sentes a mesma vontade que eu, de me aninhar nos teus braços e procurar estar segura, procurar aquela paz, da unica maneira que sei, que é estar contigo.
Tu ali, e eu aqui... e o amor é o mesmo nos dois sítios.