- segunda-feira, maio 30, 2005 -

Para ti, meu Anjo...

Pensei que tivesses partido de vez...
E tinhas. Mas não da forma que pensei... Voltaste, agora já de dia... e de noite também. Voltaste... sem a máscara de escuridão que te ocultava as feições que agora já posso ver...
O teu olhar ainda preso no meu... O teu toque ainda persiste, o teu cheiro agarrado a mim...
O lugar continua a não interessar. Somos só tu e eu... O resto... quem quer saber do resto? Somos só tu e eu, mais uma vez. E esse “nós” que somos é mais do que suficiente para preencher esta vida e muitas outras... Porque te encontrei, meu Anjo...
Assim como me encontraste a mim...
Não te vás embora nunca... Promete-me que não vais... Preciso de ti, meu Anjo... porque te amo...
...para sempre.

(Re)encontro


Havia três anos que fugia de ti. De ti e de nós, da nossa história. Dos dois anos que passamos juntos, das nossas guerras, das nossas vitórias. Fazia três anos que evitava os lugares que frequentavas, os sítios que continuavam impregnados com os nossos momentos. Os amigos que eram nossos passaram a ser só teus... Com o tempo afastei-me desse círculo de amigos, também eles me faziam lembrar a tua presença. Os meus amigos de sempre permaneceram e ajudaram-me a superar a dor. Desliguei completamente do teu mundo de sorrisinhos e criei o meu, bem longe de ti.
Ou pelo menos pensava que o tinha feito.
Desde o dia em que me disseste todas aquelas palavras... palavras que me feriram a alma uma vez mais, me espezinharam o espírito. Porque não tinha sido a primeira vez que aparentemente o teu coração te tinha mostrado um caminho para além daquele que levava à minha porta. Já por uma vez me tinhas posto de parte, pedido um tempo para ter a certeza dos teus sentimentos. Passei noites em branco sem saber se haveria de te dizer que te amava ou se era melhor deixar-te decidir em paz.
Explicaste-me o que sentias com todo o cuidado, tinhas uma ideia do que poderia acontecer caso tivesses escolhido as palavras erradas. Mas por mais que tentasses atenuar as coisas que dizias, não me sentia com forças para passar por tudo outra vez, para ser de novo colocada num canto como segunda escolha. Por mais que te amasse, peguei nas chaves do carro, as lágrimas nos olhos, e saí. Bati com a porta com força, a única forma que arranjei na altura para te dizer que não voltava àquela casa, que não voltava para ti, para os teus braços.
Desde aquele dia, nunca mais quis ouvir falar de ti. Afastei da minha mente todas as informações que alguns me davam sobre ti, tentativas falhadas para me despertar a saudade, invocar as lembranças e fazer reaparecer o amor. Disseram-me que ainda não me tinhas esquecido. Talvez tivesses. Talvez não. Provavelmente, já estarias a seguir o teu caminho, tal como eu tentava encontrar o meu; já terias partido para outra. Afinal, sempre tinhas sido como uma borboleta voando de flor em flor: a tua paixão pousando aqui e ali, com rumo incerto...
Deixei o mais depressa que o meu coração permitiu de especular sobre o teu estado civil. Enganei-me a mim própria forçando-me a acreditar que não me interessava, pouca diferença me faria se estivesses casado com uma mulher exemplar e fosses pai de gémeos. Pus de parte a elaboração de teorias que procuravam quantificar a existência do amor que dizias nutrir por mim. Forcei-me a tratar-nos por "tu e eu" e não por "nós", como o tinha feito durante tanto tempo...
Os sorrisos voltaram aos meus lábios algum tempo depois, a rapariga sorridente que sempre fora.
Uma máscara protegendo-me da minha fraqueza.


O programa era simples, a voltinha do costume. Um jantar animado no restaurante italiano de eleição, um passeio pelo centro, duas horinhas de cinema se houvesse paciência e o resto da noite na esplanada de um café. Curtir a música e a companhia, uns bons momentos de delírio e gargalhadas sem fim. Na esplanada, ao ar fresco, com as estrelas lá em cima a vigiar-nos. Ou então não.
Na verdade, em fins de Janeiro, as noites estreladas eram uma raridade. E nesta sexta-feira não iria ser excepção. Ainda era de tarde, mas consegui adivinhar a não existência de estrelas pelas nuvens densas e carregadas de cinzento que se aproximavam... Fiz figas para que não chovesse. As nossas noites eram demasiado especiais para serrem arruinadas por gotículas irritantes. Não iriam ser aquelas nuvens insignificantes que iriam deitar abaixo os nossos planos - por mais repetitivos que fossem.
Saí e deixei o carro na garagem, apetecia-me andar e desprender-me de maus hábitos poluidores. Ser mais uma vez parte da cidade, pertencer ao grupo de formigas obreiras que se movimentam sem cessar, numa louca correria. Gente a correr para casa, pessoas a correr para apanhar o autocarro, uma multidão apressando-se para o seu destino, fosse ele qual fosse. Desci calmamente a rua por entre encontrões e empurrões descuidados. Observei pela milionésima vez as montras, já as conhecia quase de cor.
Começou a escurecer e as ruas desertaram um pouco. Jovens adeptos de saídas à sexta-feira à noite aglomeravam-se em pequenos grupos juntos a restaurantes de comida rápida - era esse o lema de alguns: ingerir comida de plástico num curto espaço de tempo para seguir depois numa corrida desenfreada às bebidas espirituosas e disfrutar no dia seguinte da agradável companhia de uma ressaca. Peguei no telemóvel para telefonar à Rita. Agindo de forma quase automática, premi sem sequer pensar as teclas do número dela, enquanto pondeava se ia virar numa rua qualquer mais à frente para parar num café, questão de comprar um pacotinho de bolachas para me entreter no caminho. Cheguei à caixa do voice mail e liguei-lhe outra vez. Era sempre assim, só à segunda é que ela ligava ao telemóvel. Finalmente, dignou-se a atender.
- 'Tou, Rita? - perguntei - Tudo bem? Olha, estou a caminho... Vou só fazer aqui um pequeno desvio, encontrar um café qualquer para matar a goludice, 'tá?
Ao que ela respondeu que desde que não me atrasasse, podia fazer todos os desvios que quisesse. Pelos vistos, a Maria ainda estava em casa a fazer sabe-se lá o quê.
- Não te preocupes, Rita. A Maria não há de chegar antes de mim.. Não é desta que vais concretizar o teu sonho de me dar um sermão por atraso! - concentrei-me em tirar a carteira da mala enquanto avançava para virar a esquina - é num instante, não me vou demo---
Com o impacto, o telemóvel caiu, a capa saltou e a bateria soltou-se. Abençoadas máquinas que caem e não partem: basta juntar as peças de novo. O diskman ao lado é que não parecia estar em tão bom estado. Balbuciei um "Desculpe... deixe estar que eu apanho!", enquanto me tratava mentalmente de idiota por não prestar atenção ao caminho e por ter arruinado o leitor de CD's a um rapaz que não tinha culpa nenhuma de circular nas mesmas ruas que uma desastrada como eu. Apanhei os destroços do acidente e entreguei-os ao proprietário sem olhar para ele, ainda procurando fragmentos no chão. A minha busca foi interrompida quando o rapaz pronunciou uma única e só palavra que me fez sobressaltar:
- Raquel?
Endireitei-me logo de seguida, observando o que estava à minha frente... A miragem de uma memória que pensava estar enterrada... Olhei-o de alto a baixo. Os mesmos olhos castanhos escuro, os mesmos lábios, os mesmos cabelos negros, a mesma estatura, as mesmas mãos... Por momentos, acreditei. Estaria o destino a cruzar os nossos caminhos mais uma vez, a dar-nos uma segunda hipótese? Esbocei um largo sorriso enquanto me erguia para chegar à tua altura, olhar-te nos olhos. Talvez estivesse escrito que assim iria ser, que aquele cliché dos encontros numa esquina poderia ser para nós um novo começo, um ponto de partida para uma nova história. A continuação da nossa história...
Mas não. A parede de betão que era o meu sorriso desmoronou-se, como um vidro estilhaçando-se em milhares de fragmentos, quando me percebi que já estavas acompanhado. E que companhia, comparada comigo. Era alta, os cabelos castanho claro e lisos (como eu não tinha... os meus caracóis já me tinham vencido na batalha para os dominar), os olhos azulados. Todas as esperanças que tinha criado naqueles escassos segundos foram abatidas quando o meu olhar cruzou o dela; todas aquelas ideias repentinas, apenas ilusões e devaneios loucos.
Parecias surpreendido por me ver. De certa forma, tinhas razão, já se tinham passado três anos. Três anos sem nos cruzarmos uma ínica vez... Porquê agora? E porquê, pergunto, porque é que aquela criatura - aquela perfeição, segundo pensaria a maioria da população masculina - tinha que estragar a minha visão...? Desejei que ela lá não estivesse, que me tivesse deixado partir com aquele pensamento agradável, embora irreal... Sim, agradável. Ainda não tinha conseguido livrar-me de pensamentos dirigidos para a tua pessoa, por mais que me tentasse convencer do contrário.
Senti o perigo de lágrimas a acumular-se nos olhos, tal como bombas-relógio prestes a explodir. Pela segunda vez, fugi de ti. Ainda te ouvi, chamando pelo meu nome... Mas não te respondi. Não me virei para te dizer adeus. Fui-me embora, mais uma vez. Corri, as bombas-relógio explodindo aos poucos, enquanto fugia pelas ruas que me levariam até casa. Não podia, não podia deixar que quebrasses o meu mundo. O meu mundo...
Talvez não fosse assim tão meu quanto o achava ser. Talvez tivesse chegado a hora em que perderia o controle dos acontecimentos. Tinha sido o que cá tinhas vindo fazer: mostrar-me que a qualquer momento, a minha paz podia ser perturbada. Talvez tinha sido isso que me abalou, e não tanto a tua presença - e a da tua acompanhante.
Cheguei a casa e fechei a porta atrás de mim. À chave. Com duas voltas. A estúpida necessidade de se sentir protegido de algo que nem uma porta blindada pode parar: as tão badaladas lembranças. As recordações, o sentimento de culpa e de perda, o remorso... Deixei as lágrimas fluir livremente; já não tinha ninguém a observar-me, ninguém para testemunhar a minha derrota. Tentei retê-las, sem sucesso. Agora que estava sozinha, nada as impedia de sair, de exprimir a minha dor, a minha raiva.
Raiva de ti. Por continuares na minha cabeça, por conseguires pôr de pernas para o ar o meu mundo, que criei longe de ti.
Raiva de mim. Por te deixar continuar na minha cabeça, por ter criado um mundo tão fraco que basta o teu aparecimento para o destruir. A minha frágil e ilusória redoma de vidro...
Fiquei encostada à porta, aguardando que as lágrimas se decidissem a parar. Esperando que eu me decidisse a ficar mais calma. Dispersar os pensamentos que estavam todos voltados para ti...
Reparei no telemóvel que continuava em peças separadas no meu bolso. Peguei nele mais uma vez, relutante. Tinha sido por causa dele que tudo tinha acontecido. Se não lhe tivesse pegado, talvez tivesse tomado atenção... Afastei essa ideia. Afinal, estava dentro de casa, fechada à chave. Com quem é que poderia chocar? Juntei as peças e liguei-o, enquanto me deixava escorregar pela porta até ficar sentada no chão. Os olhos ardiam, mas pelo menos já não pareciam um riacho com pressa para desaguar. Apenas fungava, quieta no meu recanto, limpando vestígios de lágrimas que ainda persistiam em aparecer.
Uma luzinha acendeu-se na minha mão. Era uma mensagem. Da Rita. A anunciar, radiante de alegria, que a Maria já tinha chegado.
Os soluços e fungos foram de repente substituidos por um pequeno sorriso e um riso abafado. Não me tinhas vencido. Podias ter abalado o meu mundo, fazê-lo estremecer por momentos; mas os alicerces do meu mundo continuavam ali à minha espera, no nosso restaurante do costume, prontos a ajudar-me a reconstruí-lo.
Levantei-me e peguei nas chaves do carro. Não iriam ser aquelas nuvens negras que iriam estragar a nossa noite... e muito menos a tua memória.

Img: Sigit Prasetio
(Enviei este texto para um concurso e, mais uma vez, não foi aceite... E tenho suspeitas do "porquê". Porquê? Porque este tipo de textos não faz mesmo o meu estilo... É demasiado leve, puxa pouco pelos sentimentos. Escrevi isto e acabei por lhe dar o meu toque mais pesado, mais carregado com sentimentos. E eles não gostam, porque gostam de tudo levezinho. Ou então porque a minha escrita é um atentado à boa escrita. Mas acho que é mais pelo facto de não conseguir escrever contos leves, com sentimentos levezinhos. Se quiserem, comparem este conto ao "Uma Luz na Escuridão", que também está aqui postado. E vejam o horror que é para mim não poder mergulhar nos sentimentos mais profundos... E depois uma pessoa faz cortes, cortes e mais cortes naquilo que é sentimento, e depois saem estas coisas... E depois é óbvio que os senhores juris não gostam! Enfim. Agora armem-se em juris de uma editora qualquer e façam do vosso juizo. Mas não me mandem uma cartinha pré-escrita. Meu deus... ainda estou chocada com o cartão laranja que levei. E esta do "cartão laranja" é só para o pessoal muito à frente que também levou com um. Cambada de forretas.)

- segunda-feira, maio 16, 2005 -

Apareceste?

Apareceste... Pela última vez, segundo o que me disseste. Pensei que estivesses a brincar, mais uma das tuas brincadeirinhas inocentes... Mas esse teu olhar escuro que não vi - apenas senti - mostrou-me que não era esse o caso. O que foi que me disseste? Já não me lembro ao certo... Só sei que me abraçaste com força, com tanta força que parecia que me ias desfazer no teu abraço. Não me querias deixar? Então, porque foste embora?
Tinha chegado a hora de partir. Seria? Então porquê estas visitas a meio da noite, porquê estas esperanças todas de algum dia te poder ver as feições, olhar-te nos olhos? Porquê, se agora partirias sem te mostrares?
Disseste que vir-te-ia um dia destes... Sem a chuva, sem a máscara de brumas que te rodeava. Quando? Quando é que alguma vez iria saber quem és?
Desapareceste...

Desta vez sem deixar rasto...