- segunda-feira, agosto 30, 2004 -

Uma Luz na Escuridão


Perdido no escuro. É assim que me sinto quando o Sol se levanta e o dia se apresenta. Os dias solarengos são, para mim, uma noite escura, uma noite sem estrelas. Um céu negro coberto de nuvens carregadas de nada, o vazio permanente. Viver no escuro, sem qualquer ponto fixo por onde olhar, nenhuma referência onde possa prender o olhar. A imaginação é o pouco que me resta; o pouco que não me chega, o pouco insuficiente que não me deixa satisfeito. Julgava algum dia poder abrir os olhos e ser cegado pela luz do Sol, a luz dourada de que tanto falam, o rápido reflexo num fechar de olhos. No entanto, mal abro os olhos para o céu, num dia de Verão, continuo a olhar fixamente, em busca de alguma diferença naquilo que vejo habitualmente. À procura de algo que não seja negro. Algum raio de Sol que furasse a cortina escura que insiste em manter-se à minha volta, ocultando tudo o que se passa em meu redor. Os dias assim são, atento ao mais pequeno ruído, um barulho mais alto arrepia-me os pêlos dos braços.
“O toque...”
O toque divino, a sensação debaixo dos dedos. O tumulto de sentimentos ao sentí-la aflorar a minha pele. As suas mãos, longos dedos finos e suaves, fadas que a cada toque despertam magia. O meu Raio de Sol, tudo aquilo que alguma vez desejara ver. Mas o véu preto abate-se sobre os meus olhos, impedindo-me de ter a visão perfeita.
Os cabelos sedosos, da cor do Sol.
O meu mundo diurno da escuridão transforma-se em tons de cinzento esbatidos ao caír da noite. Os olhos fechados, o corpo adormecido. É nesses momentos que vivo; vivo atrasado no tempo, é certo, mas a minha vida tem mais sentido nos meus sonhos. Apenas quando estou aparentemente inconsciente consigo recuperar parte do meu sentido perdido há muito. Consigo, nesses momentos, ter uma vida completa. Tudo o que se passa durante os meus dias obscuros volta para mim nos meus sonhos, mas desta vez, a minha vida é completada com alguma visão, pois embora só consiga ver a triste cor acinzentada, posso reviver os meus momentos de ternura, os tempos em que estou furioso. Poder ver as expressões faciais, os traços próprios de cada um.
Um jantar, duas velas cujas chamas bailavam ao som da música clássica, um som de fundo que incrustava um ambiente romântico na sala. Ela preparara tudo aquilo para mim. A mesa disposta com todo o cuidado, a decoração escolhida com o melhor gosto possível. Não necessitava de tanto aparato. Afinal, sou um homem cego! Qual seria o cego que se iria importar com as velas, com a mesa bem decorada, com o feitio do seu vestido? Na altura, apenas senti o leve calor das pequenas chamas, o seu perfume fresco, a sua voz suave que me faz lembrar algo doce. E a sua mão, estendida por cima da mesa, encontrando a minha. Os nossos dedos entrelaçados durante algum tempo. Todo este cenário se tornou mais acolhedor quando, na noite cerrada, o meu corpo não reagia a nada que viesse do exterior.
Pude observá-la, a preto e branco, como diriam alguns. A sua expressão mostrava serenidade e curiosidade. Os seus olhos escuros e grandes tentavam captar a atenção dos meus, que permaneceram impassíveis. Averiguava com minúcia a minha face, esboçando um leve sorriso de contentamento. Não deixava de me perscrutar silenciosamente, o que me fez sentir um pouco desconfortável. Mas saber que era ela fez desaparecer essa sensação, e acima de tudo, era a minha vez de ter algum prazer ao olhar para ela. O vestido curto delineava-lhe o corpo, como se tivesse traçado uma linha à volta, de modo a destacá-la de tudo quanto nos rodeava. Os seus cabelos lisos e compridos pareciam cintilar à luz das velas, enquanto a sua mão livre estava ocupada a enrolar uma madeixa em torno do dedo, completamente descontraída. A comida estava a arrefecer nos pratos, mas nenhum de nós se mostrou preocupado em iniciar a refeição. Estávamos ali um para o outro, e apenas isso bastava.

Ao acordar, volta a decepção habitual que, embora aconteça a cada vez que acordo, me apanha sempre de surpresa. A esperança de poder vir a vencer a minha deficiência visual está sempre no seu auge antes de abrir os meus olhos para o mundo. Mas outra, e outra vez, a decepção acaba por chegar quando me aprecebo que se trata de apenas mais uma ilusão. O meu mundo escuro de volta. Apenas sinto como se fosse um prisioneiro desta escuridão que não me larga, me prende as mãos e as pernas com correntes apertadas para que eu não tenha qualquer oportunidade de escapar, fugir por entre o nevoeiro que me ofusca o olhar; como se tivesse sempre uma venda amarrada à cabeça, tapando os meus olhos e que, mesmo tendo a possibilidade de os abrir e poder ver as cores espalhadas pelo universo, a venda me reprimisse os olhos e me impedisse de ter algum contacto com o mundo visual.
Sentir os pequenos grãos de areia debaixo dos pés enquanto sigo atrás dela, debaixo do calor do Sol. A praia, o seu local favorito, segundo ela. Podia ouvir os barulhos das crianças a chapinhar na água, pais babados entretidos na construção de castelos de areia, bebés regozijando de alegria nas suas piscinas de água morna construídas há minutos. Ela diz-me para eu me sentar. Obedeço, e sinto o calor do astro-rei que anseio ver. Está perto, isso consigo eu sentir.
Mas ela levanta-se e propõe-me um mergulho. Prefiro ficar e sinto a intensidade do calor a diminuir, à medida que ela se afasta. O calor atenua, mas está presente. Acompanha-me sempre, para onde quer que eu vá. Mesmo perseguido pelo nevoeiro cerrado, o seu calor consegue transpôr essa barreira e ajudar-me a aguentar todo este tempo sozinho, neste mundo onde nada consigo ver.
Enquanto ela aproveita alguns minutos na água, não deixo de pensar na felicidade dos outros, no quão pouco eles valorizam os seus sentidos. Será que alguma vez experimentaram tapar os olhos e reflectir? Verificar a diferença que ocorre quando perdemos a visão. Um apuramento rápido dos outros sentidos, os sentimentos mais profundos do que antes. Tudo passa a ter um significado. Sentir-se um peixinho vermelho a fazer bolinhas à superfície, trancado num aquário. Como se procurando uma saída pelo aquário redondo, sem nunca se cansar. Assim como aquela esperança que desperta cada mísero dia e que me provoca, mostrando-me o quão me tornei fraco, no quanto estou dependente do toque, do paladar, da audição e do olfacto. Tudo isso se torna numa espécie de sexto sentido que me permite imaginar tudo aquilo que me rodeia de dia, enquanto espero pela verdaderia visão de noite. Eles nem sonham o que é, e até me posso considerar com sorte, tenho algum prazer ao sentir-me mais normal, mais próximo do mundo real, enquanto durmo.
Posso ouví-los rir e correr pela praia. A audição dos seu risos esganiçados provoca-me uma dor aguda. Nunca gostei da praia diurna, a praia de Verão em que todos se deitam na areia, exibindo os seus fatos de banho, correndo de um lado para o outro, viagens preguiçosas da toalha até à água salgada do mar.
Apenas o seu lado nocturno me transmite a paz e tranquilidade que necessito. Aliás, foi numa dessas noites que a conheci.
Enquanto estava num mundo aparte, concentrado no som das ondas do mar, melodia impressionante das entranhas dos oceanos, as águas tumultuosas, as ondas a rebentarem na areia, tentando alcançar um pouco mais de terra, ganhando terreno para dar lugar à maré cheia. O cheiro a maresia foi súbitamente trocado por um outro, súbtil e doce. Embora não a conseguisse ver, senti o seus passos demorados na areia, e de repente, o seu calor ao meu lado. Uma hora inteira sem dizer uma palavra foi o que aconteceu depois, a cegueira fez-me aprender a ouvir o resto do mundo sem dizer uma palavra. Libertar-me um pouco do meu nevoeiro escuro e poder participar noutro, onde o nevoeiro fosse menos denso. Estava a precisar de alguèm, e ela ali estava, sentada ao meu lado, à espera que eu falasse. Não me conhecia de parte alguma, mas no entanto estava ali, pronta para mim. Não abri a boca até que ela iniciasse conversa. Não me agradava escolher um tema.
- Costumo cá vir todas as noites. Admirar este pôr do Sol, tão bonito. Ajuda-me a pensar... – murmurou ela, a voz um sussuro, uma brisa passageira.
- Como é? – questionei, a voz baixa. Senti que falar mais alto poderia ser um insulto a todos os belos sons que estava a ouvir. – Passo os dias nesta escuridão, não tenho a oportunidade de o ver, mas quando pergunto a alguèm que o tenha visto, não me sabem responder. Como se nunca tivessem parado para deitar um olhar ao Sol, como se não se lembrassem de como é. Apenas me dão duas palavras: redondo e amarelo. A segunda não significa nada para mim.
Seguiu-se um silêncio. Só se devia ter apercebido do meu estado naquele preciso momento. Mecheu-se um pouco, imaginei que se estivesse a defender do vento frio que acabara de passar com algum vagar por nós, abraçando-se a si-própria. Suspirou, e as suas palavras fluiram num murmúrio, a água de um riacho sem pressa para chegar ao destino.
- Preocupa-me saber que tão poucas pessoas se interessam pela beleza das coisas mais simples. Talvez não tenham tempo para olhar. Talvez não se importem. Nunca perderam nada, não precisam de se agarrar a algo que seja belo. Ou talvez não sejam tão sensíveis à beleza do Sol. Mas quer mesmo saber o que é para mim o Sol? Um foco de luz, a esperança que se espalha, que leva a claridade para todos, e nos ilumina o espírito. Da cor de um dia feliz, a cor quente e agradável ao olhar. Um brilho intenso que nos fere os olhos. Mas bom de se passar a visão por cima. Pergunto-me o que se passa com esta gente que já não liga ao Sol. Mas parece que encontrei alguèm que consegue ver para alèm do astro sem vida própria. Uma luz na escuridão.

Todos se riem na praia, aproveitando este belo dia de Sol, segundo algumas pessoas comentam à minha volta. Mas será que é mesmo do Sol que estão a falar? Ou apenas do rico dia de lazer que lhes poderá proporcionar? Nenhum deles olha para ele para pensar quais as sensações que tão belo astro lhes transmite, em vez de pensar mil e uma coisas que podem fazer por estar sol, e consequentemente, haver as condições propícias para um jogo de golfe nos campos verdes e bem relvados, ou uma partida de volei aquecidos pela luz quente. Falo do Sol, mas o mesmo acontece com tudo o que faz parte daquilo que é natural.
Magoa-me, saber que poderia ser um deles. Poder ser um deles e, acima de tudo, poder aproveitar a visão. A dor, não uma dor física, mas algo que me perturba, vem e não se vai embora. Permanece agarrada, faz-me sofrer. E todos se riem e são felizes sob o calor tórrido. Será que se estão a rir de mim? Será que se estão a rir da minha desgraça, do facto de eles poderem alcançar algo que não poderei nunca? Provavelmente não. Mas não consigo evitar esse pensamento, que é de mim que se estão a rir, que sou eu o alvo de chacota, o objecto de gozo. Doi. O fundo da alma sofre, magoando mais do que alguma vez uma dor física o pode fazer. Uma dor que fica, permanece, deixa marcas. Uma dor que se apodera de mim e tem o cuidado de me fazer recordar o quão sou frágil, deslocado no meio da multidão.
Ela está longe. Là em baixo, aproveitando a beleza do panorama. Posso imaginá--la claramente, uma escapatória para a dor. Imagino-a, nadando o mais longe que considera permitido, o longe necessário para deixar este amontoado de gente, uma colónia de formigas irrequietas. Apenas ela e o mar. Ela, o mar, e o céu, divididos por uma linha no horizonte: foi assim que ela me descreveu o seu momento de prazer. Um belo quadro, que infelizmente não posso pintar com cores, mas as palavras, essas, não chegam para demonstrar tão sublime momento. Uma conversa em privado com o mar e o céu. Nunca poderia ouvir aquela conversa: era dela, o seu momento. Era inoportuno se me tentasse intrometer em algo que é apenas dela, só a ela lhe diz respeito, eu não tenho lugar naquele ritual. Não que ela me tenha proibido participar, mas sinto que não é um sítio para mim, não me posso integrar num local que ela conhecera e criara muito antes de me conhecer, assim como ela nem sequer tenta intrometer-se no meu mundo da escuridão. Sim, embora não deseje ficar envolto na cortina negra, este mundo passou a ser meu. É nele que vivo. Tornou-se na minha humilde casa. Uma casa, digamos, pobre, onde nada tem cor, mas um local que por vezes me é agradável. O meu refúgio, o local onde me posso esconder dos meus receios.
O receio de a minha vida nocturna ser apenas o que é no verdadeiro sentido da palavra atormenta-me. Um sonho. Saber que ao abrir os olhos me poderei deparar com uma realidade completamente diferente, caso recupere a visão, assusta-me. Abrir os olhos e ver que os meus sonhos não passam daquilo que são, uma ilusão, uma miragem, seria o mesmo que ver o mundo desabar em meu redor, tudo aquilo que amo, fugindo-me por entre os dedos, as mãos demasiado fracas para tentarem recuperar algo que está prestes a partir. Não me consigo imaginar depois de saber tal coisa. Ver tudo aquilo que eu criara desaparecer, tornar-se fumo e evaporar-se no ar. Seria o fim dos meus sonhos, a perda do meu imaginário. Deixaria de acreditar neles. E em que me poderia agarrar depois? Estou demasiado habituado a poder disfrutar da vida à noite, saber que tudo o que tenho visto até agora é apenas fruto da minha imaginação obrigar-me-ia a reconstruir tudo de novo, aprender a olhar para coisas novas como se sempre as tivesse visto. Apenas o Sol seria uma visão não mudada, o belo Sol de Verão.
Sinto-a voltar, o calor mais perto de mim. Já teria acabado a sua conversa silenciosa com o mar e o céu? De volta a segurança, a âncora defensora, impedindo-me de andar à deriva, afogando-me nos meus medos. Deitado em cima da toalha e de orelha colada no chão, dá para ouvir os seus passos, firmes mas suaves, uma borboleta segura de si própria, pousando aqui e ali, de flor em flor, procurando caminho por entre as toalhas estendidas no chão e castelos de areia.
De repente, sem qualquer aviso, sinto duas pequenas gotas de água. Geladas, quebraram a minha escuta: a borboleta chegou a destino. Diverte-se a fazer-me sombra, talvez pensando que me vou importar com a intensidade diminuida do calor nas minhas costas. Pouco me interessa, a chama interior brilha com mais força dentro de mim, agora que a tenho ao meu lado. A chama que estivera baixa dança novamente, salta, alimenta-se do seu próprio calor e volta a crescer. Ela estende-se ao meu lado sobre a toalha macia, consigo sentir a frialdade do seu corpo. Debaixo dos óculos de sol, fecho as pálpebras que protegem os meus olhos insensíveis, enquanto ganhamos um suposto bronze. Tento adormecer, mas não consigo. O seu corpo frio junto ao meu, a ferver devido ao tempo que estive até ao momento exposto ao Sol, não me deixa descansar. A chama baila freneticamente, e embora esteja calmo, a chama não pára com o seu bailarico, dança, dança, rodopia, salta! Surpreendo-me com o seu entusiasmo, nem o meu coração se dá ao luxo de saltar dessa maneira. Não me permite fechar os olhos e viajar no meu mundo de sonhos, poder ver um pouco daquilo que se passou até agora. Certificar-me que as crianças não se estavam a rir de mim, se a paixão da minha vida tinha mesmo ido ter a sua conversa muda ou se se rendera ao simples prazer de uma braçada no mar, um pequeno mergulho e sessão de preguiça à superfície. Não, ela não é do tipo de pessoa que perde o seu tempo nisso. Ela prefere outros prazeres, prazeres decerto um pouco mais complicados, talvez incompreensíveis para alguns, mas é uma das poucas coisas que a satisfaz. Deixar que a água a rodeie, que o silêncio humano a liberte, apenas deixando a melodia marinha invadir a sua alma; que o Sol a toque. Talvez ela não queira que eu adormeça escondido atrás dos óculos, daí a sua insistência em não descolar a sua pele fria da minha, procurando um pouco de atenção.
Devagarinho, viro-me, mudo de posição. As costas já me doem de tanta exposição ao Sol, provavelmente me esperam grandes dores quando descobrir alguma queimadura. É sempre assim, o começo de uma dor, apenas quando descobrimos a ferida, a dor se manifesta. Viro-me para o lado onde ela está, à minha esquerda, a criatura esguia e pequena, no entanto, a minha fortaleza. Não que consiga ver muita coisa, irónicamente falando, mas gosto sentir a sua respiração lenta. Tento adormecer de novo, mas não consigo. Algo me impede de alcançar o sonho. Chamo-a, sussuro o seu nome baixinho, num murmúrio, tentando captar a sua atenção. Ela estende o braço e chega-se mais perto, aninhando a face de anjo no meu pescoço, o braço estendido em cima do meu peito. Sinto-me mais protegido. Ficamos quietos e em silêncio por um tempo indefenido. É habitual ser assim, a nossa relação baseia-se antes no toque do que na fala, as nossas conversas são traduzidas em simples gestos e toques. Como acontece agora: os seus dedos passeiam pelo meu pescoço, rumo à cara, ficando perdidas no meu cabelo. Chamo-a outra vez, sem efeito. Parece ter conseguido aquilo que eu não consigo: adormecer.
Á medida que o tempo passa, a vontade de adormecer desaparece, já nem sequer estou virado para esses lados. Mas o cansaço é muito, e mesmo sem vontade, a minha mente acaba por ceder, o meu corpo adormece pouco a pouco, a respiração torna-se mais profunda, levando-me para o meu mundo de sonhos. Espero que o fumo negro se dissipe, dando lugar à minha vida a preto e branco. Nada. Espero mais um pouco. Continua a mesma mancha negra, uma catarata em frente aos olhos da mente. Estarei mesmo a sonhar? Não estarei aínda acordado? O escuro continua presente. O que se passa? Estarei a perder a minha última dádiva? Porquê? Porquê retirar-me a segunda coisa mais preciosa que tenho? Para quê? Com que finalidade? Tanta injustiça, que necessidade tenho eu de perder a visão de novo?
Sinto as lágrimas percorrer a minha face, a alma acorda lentamente. Peço a todos os deuses que possam alguma vez existir que tudo não tenha passado de um pesadelo. Um mau sonho, como qualquer pessoa tem. Posso ouvir a voz dela, chamando o meu nome, fazendo-me acordar do meu estado de pânico. O medo é tanto, tanto, tanto... Cerro os olhos, fecho-os, talvez ela volte. A minha memória, traduzida por imagens em tons esbatidos claros e escuros. Peço que volte, que a cortina negra que se instalou não tenha passado de um pesadelo. Não, não pode ser, não me podem tirar os meus sonhos, não...
Abro os olhos num grito. Todos em meu redor devem ter centrado a sua atenção na minha pessoa. Mas que interessa? O escuro continua, não sai, não desiste, quer levar-me à loucura, quer... preparar-me para a beleza divina. O foco de luz. A esperança que se espalha. A cor quente. O brilho. Toda a magnificiência naquilo que chamam... amarelo, dourado? Seres sem imaginação, não há palavras para descrever o que vejo. Troca por troca. As minhas memórias por uma visão real. Uma troca justa, que me traz finalmente aquilo que em vinte-e-quatro anos não tivera a oportunidade de observar nunca. Tão brilhante! Estendo a mão para lhe tocar, estou perto, tão perto...
A imagem desfoca-se, as nuvens voltam a condensar-se em frente aos meus olhos. Não! Grito de novo do fundo da alma. Não... O escuro volta para me assombrar a vida, vem, tento afastá-lo, mas ele não parte. Já tive a minha hipótese, só me resta render-me ao inimigo. Os meus olhos molhados embarcam num mar de lágrimas, não sei ao certo se de tristeza ou de alegria.
Não, não chorarei mais. Não num dia de Verão como este, um belo quadro pintado com as mais belas tintas, o quadro de ouro, o quadro dourado. Ele e ela, as personagens principais. O astro e o seu ser representante. O Sol e a deusa de cabelos dourados.

- sábado, agosto 28, 2004 -

Mensagens no vento


Quantas palavras te queria dizer, palavras que sinto mas não saem. Dizer-te os mundos que imaginei para ti, para nós. Gritar o que por ti sinto, sussurar o teu nome... Saltar, abrir as asas e voar até ti, matar as saudades que o tempo criou. Chaciná-las até que sejam apenas uma vã memória coberta de pó. Ao despertar destes pensamentos caio em mim e descubro de novo que estás longe...

Longe... Mas tão perto da alma...

Abro a janela e peço ao vento que te leve uma pequena parte de mim. Peço-lhe que arranhe a janela do teu quarto, que rosne furiosamente, que solte uivos desesperados e ganidos submissos; na esperança que consigas entender todo o amor que por ti tenho...