- A minha explicação é simples e rápida. Mas peço-te que não acredites, preciso de ti como sempre foste. Não te quero preocupada. Quero a minha namorada como sempre foi: a rapariga que eu conheci na praia este Verão, de cabelos loiros ao vento, sentada na areia, despreocupada do resto do mundo... Lembro-me, eras só tu e o mar. Mais ninguém podia entrar nesse mundo que tinhas criado por momentos.
- Deixei-te a ti, entraste no teu mundo. Passamos a ser tu e eu, com o mar atrás de nós...
- Sim. Mas o cancro não ficou neste mundo quando segui para o teu... Ele acompanhou-me, tal como me acompanha agora.
- Cancro?
- Sim, amor. Perguntaram-me se queria tentar quimioterapia de novo, desta vez no estrangeiro... mas recusei. Não quero passar os dias que me restam preso a uma cama devido a um maldito cancro do pulmão. Sei que não tenho mais hipóteses. Vou morrer. Vou acabar por deixar este mundo que criaste. Mas quero... quero que quando partir, quero que sejas de novo feliz.
A rapariga tinha a face inundada em lágrimas, e apenas um fio de voz lhe saiu da garganta:
- Feliz? Como queres que seja feliz se tu morreres, paixão? Eu amo-te, e só ao teu lado serei feliz. Não me deixes, amor. Não agora, não me deixes... - implorou ela.
- Por mim. Sê feliz. Ama outra pessoa, como me amas a mim. Ama outro felizardo. Ama alguém que não te faça sofrer.
- Estás a pedir-me que te esqueça? - perguntou ela, soluçando.
- Não, linda. Longe de mim. Vou cá estar sempre ao pé de ti, para te ajudar. E onde quer que esteja, amar-te-ei. Não penses que quero que esqueças o que passamos juntos, porque não quero. Quero que te lembres de nós os dois, que tenhas orgulho daquilo que fizémos, daquilo que criamos... Para que no futuro te lembres de mim com um sorriso nos lábios, que aproveites a vida, que sejas feliz... como se não tivesse morrido.
A rapariga olhou para ele, e com a mão livre limpou as lágrimas, tentando acalmar-se.
- Fazes isso? - insistiu o rapaz.
- Por ti. Vou... ser feliz. Aquilo que quiseres.
- Vais deixar a porta do teu mundo aberta quando eu sair?
Ela desviou o olhar. Não conseguia mirar-lhe as feições como dantes fazia, doia-lhe demasiado. Saber que o iria perder num futuro próximo fazia com que se sentisse à beira de um abismo. Mas amava-o. Amava-o acima de tudo.
- Amor? Amor, olha para mim, por favor - pediu o rapaz.
- Sim, farei. Tudo isso. Porque te amo. E não quero, nem vou acreditar no que me disseste nesta linda tarde de sol.
O rapaz tirou a carteira do bolso das calças e deixou umas moedas em cima da mesa. Ambos se levantaram e, de mãos dadas, caminharam em direcção ao mar, em silêncio, comunicando com o olhar.
O mundo resumia-se a aquilo: o rapaz, a rapariga, e o mar atrás deles.
Img: Lia Saile